Amleto Sartori – Tradução: Julio Adrião
Discurso sobre as Máscaras
Na apresentação de um livro sobre maquiagem teatral, Jean Louis Barrault define a máscara como sendo a consequência extrema da própria maquiagem.
A máscara nasce como uma necessidade, uma idéia para um jogo, uma deformação do próprio homem. É um fator essencialmente visual ligado, como todo fator estético, à uma premissa, a um núcleo moral.
Considerando o rosto como espelho da alma, sede privilegiada da expressão humana, a máscara, nesse sentido, é um meio de identificação da personalidade, que revela as características interiores.
Minhas máscaras nasceram por uma questão de necessidade em 1946/47, quando o teatro da Universidade de Pádova começou a funcionar. Lembro-me de um rapaz que para representar Arlequim pintava no rosto a meia-máscara, o que me pareceu pouco profissional. Pouco tempo depois, fui estimulado por De Bosio e Jacques Lecoq, o famoso mímico francês, a desenvolver um trabalho plástico com as máscaras teatrais. Iniciei trabalhando com papel-maché, até que descobri que as máscaras antigas eram feitas em couro. Nesse momento cresceu em mim a curiosidade e a necessidade de conhecer o processo de criação dessas máscaras. Falei com amigos, consultei inúmeros volumes nas bibliotecas que frequentava e encontrei uma espécie de Tratado (editado por Longania), que falava da arte da encadernação de livros em Veneza no período da Renascença. Obtive então a informação da existência de moldes ‘para máscaras’ feitos em madeira e chumbo. Iniciei a partir daí uma série de experiências com diversos tipos de couro, recorrendo inclusive a técnicos neste material que se interessaram por minha pesquisa. Depois de muitas tentativas, consegui finalmente um resultado satisfatório. Considero exemplar a máscara que criei para o espetáculo Arlequim, servidor de dois patrões, encenado no Piccolo Teatro de Milão em 1952, com direção de Strehler e atuação de Marcello Moretti. Naquela ocasião, busquei realizar um tipo de máscara que expressasse as características espirituais, se assim posso dizer, de um Arlequim concebido como um ‘brigante’ (N. do T.: espécie de bandido). Essa máscara possuía características fisionômicas ‘animalescas’: olhos bem pequenos, um galo bem desenvolvido como uma espécie de chifre do lado direito da testa, herança dos chifres em máscaras diabólicas medievais, proibidas pela Igreja durante a Inquisição.
Foi interessante observar como, na prática, a máscara condiciona os movimentos do ator. A caminhada do Arlequim, que tradicionalmente é baseada em sucessivas arrancadas rápidas, é fruto também da necessidade de executar rápidos movimentos de cabeça antes de cada salto, de modo que o ator possa ter noção do campo visual, limitado pela própria máscara.
Se os movimentos do ator estão ligados à uma condição determinada pelo uso da máscara, a utilização ou não da máscara levará à construção de Arlequins totalmente diferentes uns dos outros.
Também sob o aspecto moral pode-se afirmar algo análogo. O anonimato que a máscara proporciona ao ator, permite que ele faça descobertas como se fosse um indivíduo com vida independente, agindo num espaço vazio, totalmente livre de preocupações dos julgamentos sobre sua conduta. Desta maneira, o ator se permite uma liberdade que o leva a desenvolver um caráter moral completamente desenfreado.
Hoje em dia recitar com máscara, diferentemente da técnica e estética antigas, pode representar a revelação de uma natureza em estado puro. A máscara não é somente um jogo de aspirações (como gostaríamos de ser; quais jogos queremos realizar; quais sensações desejamos transmitir), mas também uma liberação do vínculo com a sujeição, o fingimento, o pudor, a timidez e a simulação. É como falar e agir com a segurança da impunidade. Em outras palavras, a máscara cumpre a função moral da desvinculação dos esquemas habituais impostos pela sociedade em que vivemos. A questão é de importância fundamental na medida em que permite ao homem revelar sua natureza primordial, sua verdadeira essência. É como buscar profundamente, além e fora das convenções.
texto retirado do livro: Maschere e Mascheramenti / i Sartori tra arte e teatro
Amleto Sartori
Discorso sulle maschere
Jean Louis Barrault nella presentazione di un libro sulla truccatura teatrale definisce la maschera l’estrema conseguenza del trucco.
La maschera è nata come una necessità, come una aspirazione a un gioco, come una deformazione dell’uomo stesso; è essenzialmente un fatto visivo legato, come tutti i fatti estetici, ad un presupposto, ad un nucleo morale. Dato che il volto è lo specchio dell’anima, sede privilegiata dell’espressione umana, la maschera non sarà, dunque, che un mezzo per individuare una personalità, per metterne in luce le caratteristiche interiori. Le mie maschere sono nate attraverso un avvertimento di necessità nel 1946/47, quando il teatro dell’Università di Padova cominciò a funzionare. Mi ricordo di un ragazzo que recitava la parte di Arlecchino, dipingendosi la mezza maschera sul volto: mi sembrò un espediente poco professionale. Di lì a poco fui invitato da De Bosio e da Jacques Lecoq, il famoso mimo frncese, a tentare qualche realizzazione plastica riguardo le maschere teatrali. Prima lavorai sulla cartapesta, poi venni a sapere che le maschere antiche erano fatte in cuoio; da Qui nacque la curiosità e la necessità di conoscere in che modo fossero realizzate. Ne parlai com amici, consultai svariati volumi delle biblioteche cui mi era dato di accedere e trovai una specie di trattato edito da Longania, che parlava dell’arte della rilegatura del libro nel Rinascimento a Venezia. Ne trassi la notizia di talune matrici in legno e in piombo “par maschere”.
Cominciai, dunque, una serie di esperimenti, provando moltissime qualità di cuoio e ricorrendo a tecnici della materia, interessati alla mia ricerca. Riuscii, infine, a ragiungere, dopo molti tentativi, un risultato soddisfacente. Esemplare nel mio lavoro può essere la maschera creata per Arlecchino servitore di due padroni, messo in scena al Piccolo Teatro di Milano com la regia di Strehler e l’interpretazione di Marcello Moretti, nel 1952. In quella occasione ho cercato di realizzare un tipo di maschera che esprimesse veramente gli attributi spirituali, se possiamo così dire, di un Arlecchino concepito come una sorta di brigante. Aveva caratteristiche fisiognomiche “animalesche”: occhi piccolissimi, bozza frontale molto sviluppata: una specie di corno rudimentale sul lato destro, retaggio della corna presenti nelle maschere diaboliche medioevali, proibite dalla Chiesa durante l’Inquisizione.
Fu interessante vedere all’atto pratico come la maschera condizionasse i movimenti dell’attore. L’incedere dell’Arlecchino, che è dato per tradizione come basato su una serie di scatti sucessivi, nasce anche dalla necessità di fare dei rapidissimi movimenti com la testa in maniera di impossessarsi del campo visivo, limitato dalla maschera, prima di spiccare il salto. Se i movimenti dell’attore sono legati all’impostazione che la maschera stessa gli dà, a seconda che si porti o no la maschera, si potrà realizzare un Arlecchino completamente diverso.
Anche sul piano morale mi pare che si possa dire qualcosa di analogo. L’anonimato che la maschera offre all’attore permette tutta una serie di trovate come se si trattasse di un individuo che esiste per sè, un individuo che agisce in una stanza vuota, completamente libero dalla preoccupazione del giudizio altrui: l’attore viene, così, ad avere una specie di franchigia, da cui deriverà un carattere morale completamente scatenato. Recittare oggi com la maschera, a differenza della tecnica e dell’estetica antica, può rappresentare in effetti la rivelazione di una natura allo stato puro. La maschera, quindi, non sarà solo un semplice gioco di aspirazioni (quali vorremmo essere; quale gioco o finzione vogliamo realizzare; quale sensazione vogliamo rendere), ma srà una liberazione dal vincolo della soggezione, finzione, pudore, timidezza e simulazione. Sarà come parlare o agire com la sicurezza dell’impunità. In altri termini, la maschera assolverà la funzione morale dello svincolamento dalla consuetudine, dagli schemi abituali che ci sono stati imposti dalla società in cui viviamo. La questione há fondamentale importanza in quanto permette all’uomo di riverlarsi nella sua natura primigenia, nella sua vera essenza. Sarà un frugare in profondità oltre e al di fuori della convenzione.
texto retirado do livro: Maschere e Mascheramenti / i Sartori tra arte e teatro